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Sindicatos profissionalizam comunicação para se fortalecer

COMUNICAÇÃO

Fotos grandes de dirigentes sindicais e trabalhadores em protestos, alertas em letras garrafais aos trabalhadores para todo tipo de campanha salarial, veto a “palavreado exagerado”. São as palavras de ordem da mídia sindical. "Frase comprida é coisa de filósofo alemão ou deputado baiano", resume o jornalista João Franzin, no ramo da comunicação sindical há 22 anos. Ele lançou recentemente o manual Imprensa Sindical — Comunicação que Organiza.
Declaradamente unilateral, a mídia produzida pelo sindicalismo vem buscando o formato ideal para falar bem com associados e potenciais associados desde a década de 70. Na época, o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva chamou a atenção de um grupo de artistas e jornalistas que viriam a fundar mais tarde a agência Oboré, com o objetivo de suprir a necessidade de comunicação mais eficaz das entidades com os trabalhadores.
Sérgio Gomes, um dos fundadores da agência, diz que o maior problema da produção textual dos sindicalistas naquela época era a falta de periodicidade. Ele lembra que, diante de situações que exigiam a circulação imediata de informação, como uma prévia de greve ou uma campanha salarial, "o pessoal soltava um catatau que trazia informação dos últimos seis meses, tendo de fazer caber todo aquele palavreado num papel só. Parecia leitura de bula". Os textos "eram ótimos para quem escrevia e péssimos para quem lia", lembra Gomes.
Hoje, boa parte da comunicação dos grandes sindicatos é confiada a jornalistas profissionais, a serviço de escritórios contratados pelos sindicatos — como o que João Franzin lidera desde 1991 e que atende, por exemplo, o Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região — ou empregados das próprias entidades, em seus departamentos de comunicação, caso dos jornalistas do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Independentemente de seu vínculo de trabalho com as entidades sindicais, que publicam estimados 10 milhões de exemplares de jornais e boletins por mês, segundo Gomes, esses profissionais têm a missão de levar aos trabalhadores a mensagem do sindicato: são pautados pelos dirigentes e recebem denúncias de trabalhadores.
As matérias seguem um tipo específico de formato, reincidente nos grandes veículos sindicais, e catalogado, inclusive, no livro-manual de Franzin: "A manchete é a primeira frase do discurso. E ela tem de ser clara, verdadeira e auto-explicativa".
A recomendação prossegue: "Caso o assunto se refira a conquista econômica, é indispensável que sejam destacados os números principais". Conclusão da receita básica: "Como padrão, incluo uma frase do presidente do sindicato nesse primeiro texto. Duas, três linhas, no máximo".

Abaixo o palavreado
No início dos anos 70, quando Sérgio Gomes ainda estudava na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), e a Oboré ainda não existia, ele e alguns amigos trabalharam como recenseadores.
Quando começaram a sair resultados parciais sobre a vida do trabalhador na cidade de São Paulo, a turma verificou que o trabalhador ficava cerca de dez horas na fábrica, mais uma média de 2 horas e dez minutos no transporte público, que sua casa era mal iluminada — 70% das casas tinham lâmpadas com 60 watts ou menos — que as famílias assistiam à TV por muitas horas, e que havia, em média, na maioria dos lares paulistanos, mais de duas pessoas dormindo em cada quarto — os ambientes eram barulhentos.
Sérgio e os amigos entenderam que os trabalhadores não tinham estrutura para se dispor a ler nessas circunstâncias. Entenderam que o descompasso entre o texto espremido num ofício e a disposição dos trabalhadores era um problema grave. Dessa percepção surgiram os primeiros alicerces do que Franzin descreve como o nascimento da imprensa sindical moderna.
A Oboré (boré é o nome de uma flauta indígena usada para convocar os dispersos) nasceu em 1978, formada por dez jovens, entre artistas e jornalistas, que passaram a prestar serviço profissional para entidades que quisessem pôr ordem em sua comunicação. Até hoje, o escritório atende grupos populares que necessitam de eficiência na transmissão de informação. "A gente trabalha pra ser mandado embora", define Sérgio. A idéia é implantar os projetos e mostrar o caminho das pedras para os clientes, que a partir daí assumem, por conta própria, suas rotinas de comunicação.
Mas não foi simples para o grupo encontrar sua própria direção frente ao dilema do ruído na comunicação, há trinta anos. Os trabalhadores precisavam de textos concisos e diretos, porém tinham de estar por dentro dos cenários paralelos à situação trabalhista, e isso requeria informação mais detalhada. Como a equipe era formada por artistas de primeiro escalão, como Laerte e Henfil, e os jornalistas eram todos recém-formados e inexperientes, o fluxo de trabalho texto-arte não funcionava.
Também não vingou a tentativa de criar duplas de criação, a exemplo do sistema empregado nas agências de publicidade. A solução veio quando o artista Jaime Prades sugeriu que a rotina imitasse o trabalho cinematográfico: roteiro, direção e fotografia — respectivamente, a presença do dirigente sindical como pauteiro; o jornalista como executor da pauta; e os artistas com a função da ilustração das publicações.
"Você já viu algum filme que tem uma história boba pra caramba, mas que é salvo pela fotografia? Então, assim a gente garantia que o trabalho saísse bom pelo menos em alguma das frentes."

Modelo sobreviveu
A tríade persiste até hoje. É o que a agência de Franzin faz: tratar das pautas com os dirigentes das entidades, produzir as matérias com sua equipe de jornalistas contratados e recorrer, invariavelmente, à imagem — hoje, especialmente a fotografia, processo que está se barateando com as tecnologias digitais.
Em seu livro, Franzin justifica: "Imprensa sindical é jornalismo político. Portanto, o que conta, em termos de fotografia, é a valorização da ação sindical, colocando a entidade, o dirigente ou a categoria no centro dos acontecimentos".
Não é raro se deparar com o presidente da entidade em cima do carro de som, com os braços erguidos ou segurando o microfone, em uma foto que ocupa metade da primeira página do jornal. E isso pode dar muita dor de cabeça para o jornalista, já que um ou outro dirigente pode não gostar de ficar de fora.
"Todo movimento sindical é político e pode haver facções; como a comunicação é decisiva, o sujeito começa a querer saber de que lado você está", explica Franzin. Por isso, também, ele se constituiu como empresa, para sair do olho do furacão. "Já confundi minha função com a de dirigente e não cometo mais esse erro", diz.
É no programa de TV Câmera Aberta Sindical que Franzin consegue realmente descentralizar a palavra: atende a telefonemas de trabalhadores ao vivo e convida para a bancada representantes de diversas frentes sindicalistas.

Entidades dão exemplo
Quem também se esforça para abrir espaço para a produção de mídia por parte dos próprios sindicalizados é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), famosa no meio sindical pelo sucesso do programa de rádio A Voz da Contag, implantado pela Oboré em 1993 e produzido pela agência Liberdade de Expressão, há quatro anos. Um dos sócios da agência, Chico Almeida, conta que o trabalho é efetuado por três repórteres e uma editora, e a distribuição do Voz é feita por correio.
Depois de finalizada a produção do programa, cerca de 250 CDs são gravados (uma faixa com a edição na íntegra e outras com as matérias separadas) e enviados para as representações regionais que os encaminham às rádios sindicais e a algumas comerciais. As edições do A Voz da Contag também ficam disponíveis para download no site da entidade, mas, segundo Almeida, "o trabalhador rural ainda não é totalmente plugado".
Ele afirma que, em algumas localidades, há um encontro semanal no escritório do sindicato, equipado com computador, para que os trabalhadores ouçam o programa, que dura 20 minutos. Ainda segundo Almeida, a participação em outros meios de comunicação da Contag é muito difundida entre os jovens trabalhadores rurais, que, estes sim, estão "plugados em tudo".
Alguns associados, não necessariamente dirigentes, são incentivados a participar das reuniões de pauta dos veículos e a produzir, sob orientação do escritório, conteúdo regional. Os encontros, segundo Chico, são imprescindíveis também para a sua equipe de jornalistas profissionais, baseada em Brasília: "A maioria nasceu, cresceu e vive na capital federal".
Ele se refere aos 11 jornalistas que destaca para comandar todos os meios de comunicação da Contag. "Alguns talvez nunca tenham visto uma galinha", brinca. "Mas, hoje, eles podem ir cobrir assuntos relacionados à agricultura em qualquer veículo de grande porte", afirma.
Outra experiência é o Jornal dos Trabalhadores, um programa diário de rádio com uma hora de duração patrocinado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e veiculado pela rádio católica Nove de Julho, da Arquidiocese de São Paulo, das 7 às 8 horas (há mais dez boletins de três minutos de hora em hora).
"Nossa pauta é noticiar o mundo do trabalho, que os grandes veículos ignoram", diz o jornalista Oswaldo Luiz Vitta Colibri, 53 anos de idade e 33 de profissão, que dirige e apresenta o programa. Segundo Colibri, a receita é simples: linguagem suave e dinâmica ("tem de ser leve, não pode ser chato") e evitar detalhes da realidade de cada categoria ("há uma diversidade incrível, com desafios às vezes muito específicos").
Ainda que não seja possível se aprofundar tanto nos temas, o objetivo — chamar a atenção — é alcançado. "O rádio tem capacidade de mobilizar, falar com gente do país inteiro pelo telefone", diz Colibri. Com uma equipe de produção de dez pessoas, todas contratadas pela CUT, o próximo desafio do Jornal do Trabalhador é tornar os programas disponíveis na internet.

Internet e reportagem
A Contag, ainda que se destaque pela programação radiofônica, tem um site com boa navegabilidade, coisa rara, segundo o jornalista João Franzin. O Brasil tinha cerca de 11.354 sindicatos de empregados em 2001, segundo Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Franzin destaca meia-dúzia de sites de entidades sindicais em seu livro.
"Muitos sindicatos têm páginas na internet, mas a maioria é uma tragédia grega", lamenta. "E estamos atentos à rede já há dez anos, mas grande parte dos dirigentes não valoriza esse meio, o que é um erro", afirma ele.
Geralmente, os sites bem-feitos são usados para hospedar os diversos veículos (jornal, revista, programa de rádio e TV) produzidos por um sindicato ou central sindicalista — caso do portal da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
A equipe de comunicação dos bancários é de seis jornalistas, uma secretária de redação e dois diagramadores. Eles produzem, por semana, duas edições da Folha Bancária (cuja tiragem declarada é de 100 mil cópias), atualizam diariamente o site do sindicato, cuidam de nove jornais que são distribuídos especificamente nos bancos, mensalmente, produzem um caderninho-resumo de todas as edições do mês da Folha e, ainda, são acionados para fazer boletins, avisos urgentes, informes, cartilhas etc. Quando vem a época da negociação salarial, passam a fazer um jornal por dia. É difícil sair da redação.
O pessoal da Contag também vai pouco a campo — mas por uma questão de custos, explica Almeida. A ajuda com a reportagem fica por conta de dirigentes sindicais locais.
Para Sérgio Gomes, da Oboré, a escassez de reportagem e a dificuldade de circulação dos jornalistas em chão de fábrica e escritórios ("parece navio negreiro, em que ninguém pode entrar"), deixa de contemplar os trabalhadores com matérias a respeito de questões essenciais para um posicionamento consciente da classe. Para ele, falta tratar de assuntos como economia doméstica e internacional, por exemplo. "A função do jornalista é alargar o olhar das pessoas sobre as coisas", defende.
O risco, no entanto, é que o equilíbrio entre o texto excessivamente detalhado e a concisão eficiente, tão perseguido pela Oboré no passado, se perca em decisões editoriais que privilegiam fotos (especialmente dos dirigentes), textos que seguem um determinado formato e uma cobertura que tende mais ao relatório e menos à análise.
No capítulo "Receitas para a comunicação sindical" de seu livro, Franzin alerta: "A qualidade da imprensa sindical de hoje, apesar dos avanços tecnológicos, nem sempre supera a produzida nos anos 70 e 80, quando muito material era feito por fotocomposição ou com letra-set e máquina de escrever".

Fonte: Site DIAP
(Incluída em 19/11/2007 às 11:00)

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