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Artigo analisa os impactos da PEC 63 e prevê estouro dos orçamentos dos judiciários, incluindo o de Minas

PEC dos Magistrados e o estouro dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por: Sergio G. Reis

Hoje, 2 de setembro, poderá vir a ser aprovada, em primeiro turno, no Senado, a PEC dos Magistrados. A chamada Sessão Ordinária Deliberativa do Plenário terá início às 16 horas, e dependerá de um quórum expressivo para votar a matéria, dada a circunstância de sê-la uma proposta de emenda constitucional. Tenho abordado o tema com grande ênfase, já que considero a sua eventual aprovação uma dos atos mais antirrepublicanos da história democrática do Brasil.

Os problemas que a medida possui podem ser percebidos por meio de várias dimensões:

a) ética, considerando-se o fato de os cargos supracitados já serem dos mais bem remunerados do setor público (e privado) brasileiro e, ainda assim, seus ocupantes buscarem ampliar sua condição privilegiada às expensas de políticas públicas as quais, a partir dos recursos multibilionários com que poderiam contar, poderiam vir a atender a um contingente populacional mais expressivo e prioritário do ponto de vista do papel histórico do Estado, desde Rousseau e Hegel, em mitigar as mais distintas desigualdades (e continua a causar espécie observar a manifestação de órgãos públicos desse Poder, como o próprio CNJ, no sentido de se referendar a proposta, o que é um case incrível de patrimonialismo contemporâneo);

b) de gestão, levando-se em conta o artifício absolutamente sui generis de instituir um adicional por tempo de serviço que diga respeito ao exercício advocatício realizado ainda antes do ingresso do servidor na carreira pública;

c) de sociologia jurídica, dada a técnica burlesca de se instituir um regime funcional supraconstitucional para os integrantes dessas funções – o que nos diz muito sobre a visão que possuem seus propositores sobre o restante do funcionalismo público e da sociedade, lato sensu;

d) de administração orçamentária, já que a aprovação da PEC redundará na efetivação de um cenário absolutamente adverso do ponto de vista dos limites às despesas com pessoal estabelecidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.

De fato, este é ponto que gostaria de abordar nesta oportunidade. Paralelamente à pressão pela aprovação da PEC (que conta com o suporte de Renan Calheiros, conforme a notícia de hoje do Estadão, notamos um considerável incremento do lobby do próprio Poder Judiciário pelo atendimento às suas demandas salariais.

Vimos, na semana passada, o Presidente do STF, Ricardo Lewandovski, apresentar proposta de novo aumento dos vencimentos dos Ministros da Casa .

Em 2012, no contexto de um acordo de amplas proporções entre o Governo Federal e o funcionalismo público, estabeleceu-se um mecanismo de reajuste anual para centenas de carreiras, que passariam a contar com um incremento anual de 5% sobre as remunerações de cada nível funcional ao longo dos exercícios de 2013, 2014 e 2015. Um esquema similar também foi negociado com o STF, o que permitiu a expansão do teto constitucional para algo como R$ 28 mil no primeiro ano, R$ 29,4 mil no segundo e, finalmente, R$ 30,9 mil no terceiro.

No entanto, alegando a necessidade de reposição de “perdas inflacionárias”, os vetustos magistrados do Pretório Excelso entenderam por bem propor a elevação do pecúnio para algo como R$ 35,9 mil, um aumento de 21,85% diante dos valores atuais, ou de 16,88% com relação ao já programado para 2015.

A aprovação dessa proposição, necessariamente, significará um impacto orçamentário ainda muito maior no caso do referendo da PEC dos Magistrados, tendo-se em vista toda a lógica de vinculações constitucionais entre os vencimentos de Ministros, Desembargadores e Juízes – grosso modo, a diferença entre os valores auferidos por cada conjunto funcional não podem ser, entre eles, menores do que 5% e maiores do que 10%.

Isso cria, evidentemente, um efeito cascata poderoso nos Poderes Judiciários de todas as Unidades da Federação (para além de atingir Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e, indubitavelmente, atingir todo um refluxo de reivindicações de outras categorias também desejosas de incremento salarial – não é por acaso que, no caso do Poder Executivo, algumas das carreiras de elite buscam já há algum tempo atrelar a remuneração máxima do último nível de progressão aos vencimentos do Presidente da República, dada a “segurança” que isso traria, e num movimento que não classificaria como sendo exatamente profícuo).

Nesse sentido, então, faz-se necessário observar a força do impacto de uma medida como essa quando combinada com a aprovação da PEC dos Magistrados, notadamente do ponto de vista do atendimento aos limites determinados pela Lei de Responsabilidade Fiscal para despesas com pessoal. Em linhas muito gerais, esse normativo, elaborado para dar maior racionalização às despesas públicas, estabeleceu marcos de dispêndio para gastos considerados críticos para a Administração Pública – como é o caso do custeio das folhas de pagamento de servidores, funcionários e agentes públicos.

A LRF ainda determina um conjunto de medidas de cunho obrigatório a serem tomadas para o caso de esses limites serem desrespeitados e, na manutenção desse cenário de descontrole, estipula um conjunto de proibições mais duras e, inclusive, sanções penais aos gestores que infringirem suas disposições. Notamos, então, a seriedade com que a LRF trata do tema da despesa com pessoal.

A Nota Técnica elaborada pela Consultoria de Orçamentos do Senado, focada em estipular o impacto orçamentário geral da medida, tratou colateralmente do desrespeito aos limites à LRF, notando a existência de um risco considerável de o chamado “limite prudencial” (gastos superiores a 95% do teto) vir a ser desrespeitado por Estados como o Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Aqui, buscamos levantar os dados para todos os Estados da Federação, admitindo pressupostos similares aos observados na Nota Técnica (como um incremento médio de 20% nos vencimentos dos Magistrados a partir da hipótese de que eles possuem, em média, 20 anos de tempo de serviço a serem contabilizados – uma possibilidade bastante plausível diante da análise das folhas de pagamento e dos atos de admissão dos juízes de vários Estados), mas desta vez incorporando o esperado aumento de 21,85% na remuneração dos Ministros do STF (que virá, evidentemente, replicada na estrutura remuneratória dos juízes substitutos, juízes de direito de todas as entrâncias e desembargadores, para além dos inativos e pensionistas – não considerados plenamente neste estudo por não impactarem no cálculo dos limites da LRF, que abrange, para esse caso, apenas os ativos).

Foram, então, levantadas todas as quantidades de magistrados por nível de atuação a partir das suas folhas de pagamento e das estruturas remuneratórias vigentes em cada Estado. É preciso dizer que as estimativas feitas, na verdade, são bastante conservadoras, e levam em conta apenas o que se costuma chamar de “remuneração paradigma”. De fato, seria sobre ela, acreditamos, em que incidiria o ATS – que se juntaria a um conjunto de outras parcelas e penduricalhos que compõem as remunerações dos juízes.

É preciso esclarecer que, na prática, nos Estados o chamado “abate-teto” (que limitaria a percepção de valores acima do teto constitucional) praticamente não é utilizado no âmbito do Poder Judiciário. De fato, entendo que são esses elementos que, para muito além das remunerações iniciais já bastante elevadas, tornam prejudicada a saúde financeira dos órgãos dos Judiciários. O ATS é, na verdade, apenas o golpe de misericórdia nessa integridade para vários Estados, como veremos.

A projeção aqui feita é também conservadora por que não consideramos o crescimento inercial das despesas com pessoal e assemelhadas que compõem o grupo sobre o qual são calculados os limites de dispêndio. Em outras palavras, supomos o congelamento desses gastos nos níveis atuais, algo improvável de ocorrer. Esse cenário também significaria a não a concessão de aumentos salariais para todas as demais carreiras do Judiciário (Auxiliar, Técnico, Analista, outros cargos e funções comissionadas), bem como a inferência de que não ocorreriam novos concursos públicos em 2015. Na prática, como veremos, a aprovação da PEC associada ao reajuste remuneratório proposto pelo STF resultará, do ponto de vista da LRF, em limitações legais à realização dessas contratações e reajustes para todo o funcionalismo desse poder em vários Estados.

No quadro abaixo, apresentamos a síntese do custo da aprovação da PEC dos Magistrados combinada com a aplicação, dadas as vinculações explicitadas, do reajuste salarial para os Ministros do STF. A tabela apresenta o quanto cada Poder Judiciário de cada Estado poderia gastar, de acordo com a Nota Técnica mais recente produzida pelo DIEESE, publicada em 26 de Agosto, tendo-se como teto o chamado “limite prudencial”.

Na coluna do meio, apresentados as estimativas feitas, levando-se em conta apenas os ativos. Vale dizer, a título de curiosidade, que foi possível ainda realizar uma estimativa de custo para os inativos em 9 dos 27 Estados, chegando-se a um dispêndio extra de mais de 500 milhões de reais. Há, ainda, os pensionistas, cujos dados são bem mais escassos – mas a incidência da PEC sobre esse grupo não é nada negligenciável.


Quadro 1 - Estimativa de Dispêndios por Estado a partir da aprovação da PEC + Reajuste STF



Estimamos, então, que o custo da PEC para a totalidade dos Estados, neste primeiro exercício (2015), será de 1,77 bilhão de reais. Repetimos que este é apenas o valor a ser dispendido para os servidores ativos do Poder Judiciário – não calculamos o montante a ser gasto pelos Ministérios Públicos. Na coluna da direita, apresentamos a quantia que cada Estado teria para despender com pessoal sem que o limite prudencial seja atingido.

Percebemos, então, que 5 Estados (Santa Catarina, Minas Gerais, Maranhão, Ceará e Tocantins) já atingirão, logo nesse primeiro momento, o limite de alerta estabelecido pela LRF – quando os gastos com pessoal alcançam 90% do limite máximo. Nesse momento, o Tribunal de Contas envia um aviso formal notificando o ente de que é preciso, rapidamente, adotar medidas para controlar os excessos de dispêndio para que se evite o estouro do limite prudencial.

No entanto, o impacto trazido pela PEC é tão significativo que outros 5 Estados já estourarão esse limite prudencial – quando os gastos com pessoal alcançam 95% do limite máximo: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Paraíba e Rondônia. A partir desse momento, os órgãos integrantes do Poder Judiciário desses Estados passam a sofrer uma série de restrições legais: concessão de aumentos salariais, criação de cargos que gerem despesas e provimento de cargos de qualquer natureza.

Evidentemente, trata-se de um conjunto de medidas voltadas a estancar o descontrole dos gastos, o que certamente impacta a expansão e o aperfeiçoamento das atividades administrativas. Para os demais servidores, a aprovação da PEC significaria a cessão das possibilidades de melhoria dos seus vencimentos e de ampliação de seus quadros às expensas do aumento dos já consideráveis ganhos remuneratórios auferidos pelos magistrados.

Finalmente, o Estado da Bahia já enfrentaria problemas imediatos imensos, já que seria o Estado que já estouraria o limite máximo de gastos com pessoal em 2015. Nesse contexto, o Poder Judiciário desse Estado seria obrigado a adotar uma série de medidas administrativas mais duras para fazer com que percentual de despesas com pessoal volte a patamares civilizados.

Isso incluiria, para além das restrições observadas para aqueles que se encontram acima do “limite prudencial” a redução das despesas com cargos em comissão, a redução de vencimentos e/ou a diminuição temporária da jornada de trabalho, a exoneração de servidores não estáveis e até daqueles estáveis, caso as demais medidas não surtem efeito.

Ou seja, nesse momento o ente tem suas atividades administrativas seriamente afetadas – e tudo isso em razão de um adicional por tempo de serviço ...

Isso, no entanto, não é tudo: caso o Poder não consiga reverter esse quadro adverso ao longo de dois quadrimestres, ele passa a sofrer limitações ainda mais severas – fica impedido de receber transferências voluntárias, de receber garantias de outro ente, de contratar operações de crédito.

Quando eu dizia, em outros artigos, que a aprovação da PEC poderia significar uma verdadeira paralisia administrativa, não tinha a pretensão de parecer metafórico. O estouro dos limites máximos significa exatamente isso.

O quadro cujo link está abaixo sintetiza esse conjunto de explicações:



Quadro 2 - Estados que Ultrapassarão os Limites de Alerta, Prudencial e Máximo da LRF e Consequências Legais-Administrativas



Verificamos, ainda, que é possível, de acordo com a LRF, que os gestores (no caso, Magistrados que ocupem cargos de direção ou autoridade máxima, e outros servidores nesses postos) podem ainda sofrer imputações penais graves caso a situação de descontrole orçamentário apresentada perdure.

Caso o Poder se encontre acima, do ponto de vista do gasto, dos limites prudenciais e sejam autorizados dispêndios que estejam proibidos, é possível responsabilizar penalmente quem o fizer. Se o órgão ou ente ultrapassar os limites máximos e não houver o retorno aos níveis prévios de dispêndio dentro dos dois quadrimestres estabelecidos pela legislação, também o gestor poderá ser incriminado – a pena de reclusão varia de 1 a 4 anos.

É evidente, portanto, que o desrespeito à LRF é um feito de elevadas proporções negativas. Causa espanto que o lobby corporativo dos defensores da PEC seja capaz de ignorar essa circunstância tão significativa e gravosa, que poderá vir a afetar efetivamente os trabalhos do Poder Judiciário de vários Estados.

Repito, mais uma vez, que essas estimativas são conservadoras, adicionando que, em um contexto de crise econômica de razoável expressão – como a que enfrentamos – seria uma ingenuidade tamanha, no mínimo, considerar uma evolução positiva da Receita Corrente Líquida no curto prazo: há vários Estados que já estão revendo as modestas previsões de crescimento desse fator, que depende da vitalidade da economia, da gestão macroeconômica e da capacidade arrecadatória de cada ente (e, mais especificamente, de cada Poder Executivo, sendo que a governabilidade do Judiciário sobre isso é nula).

Além disso, é fundamental dizer que os custos com a aprovação da PEC (como quase todo tipo de custeio, convenhamos) só tenderão a crescer ao longo dos próximos anos. Isso porque, a cada ano que passa, é possível inferir que cada Magistrado auferirá pelo menos mais 1% dos seus vencimentos auferidos no ano anterior em virtude do ganho de um ano a mais de experiência – de acordo com a lógica do ATS.

Com isso, os dispêndios nunca diminuem. Com as aposentadorias, apenas se deslocam nas rubricas orçamentárias, mas continuam a impactar pesadamente os custos globais com pessoal. E, se houver novas contratações, a PEC já embutirá um custo adicional nos vencimentos iniciais dos juízes substitutos (já que o ingresso nessa carreira depende, como sabemos, dos 3 anos de advocacia como pré-requisito). Com isso, Estados que, hoje e em 2015 ainda não estarão no chamado limite de alerta – como Rio Grande do Sul (4,99%), Mato Grosso do Sul (4,99%), Mato Grosso (5,21%), Pernambuco (4,99%), Rio Grande do Norte (5,34%) e Piauí (5,35%), sendo o limite de alerta equivalente ao patamar de 5,4%, o limite prudencial, a 5,7% e o limite máximo, a 6% da Receita Corrente Líquida – muito provavelmente estarão em apuros ao longo dos próximos anos.

Enquanto isso, os demais servidores públicos desses Poderes terão que aguardar, nesse contexto, vários exercícios até que a saúde financeira desses entes volte a estar em um patamar sustentável (pressupondo-se, é claro, o retorno de um ciclo nacional de crescimento virtuoso da economia) para que possam postular novos aumentos mais expressivos de suas remunerações.

A população desses Estados, simultaneamente, terá que se contentar com a manutenção dos serviços administrativos e judiciários nos níveis atuais, dada a impossibilidade de incremento dos quadros funcionais sem que os limites da LRF sejam, potencialmente, afetados. Tudo para que Magistrados venham a conquistar uma “compensação salarial”.

Potencialmente, em um intervalo não maior do que 3 anos, pelo menos 17 de 27 Poderes Judiciários que compõem os Estados da federação poderão vir a enfrentar restrições administrativas extremamente relevantes para a continuidade dos serviços que prestam – e que não são nada triviais: distribuir justiça e dizer o direito. Seis Estados poderão chegar no limite de alerta em breve; cinco Estados já estarão acima desse limite em 2015, outros cinco já terão superado o limite prudencial e um, imediatamente, já estará acima do teto máximo - a Bahia. Como podemos não ficar estarrecidos com isso?

Triste pensarmos que, em vez de avançarmos no sentido de restringirmos ao máximo o rol de servidores públicos que ganham acima dos limites constitucionais – permitindo com que reinvestíssemos esses bilhões em outras políticas públicas – estamos, agora, regredindo um pouco mais ao simplesmente “chutarmos para escanteio” o regime funcional-constitucional, um dos símbolos máximos do republicanismo em nosso país, para beneficiarmos um conjunto absolutamente específico e já tão privilegiado.

Os Senadores dessas unidades da federação que aprovarem essa medida terão sido responsáveis por um dos ataques mais dantescos à saúde financeira de seus próprios Estados. Nada mais distante do que deveria ser a razão de ser de um congressista nessa posição. Será que o apoio de juízes, sindicatos e associações de classe é importante e significativo o bastante para trespassar a continuidade dos serviços administrativos – e as necessidades de Justiça da população – do próprio Estado que dizem representar?

Texto: Sérgio Roberto Guedes Reis

(Incluída em 08/09/2014 às 15:53)

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