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STF reembolsou Jobim por viagens pagas por anfitriões

JUDICIÁRIO


O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Nelson Jobim, que deixou o cargo na semana passada para retomar seus projetos políticos, recebeu do órgão quase R$ 28 mil de adicionais por viagens realizadas em 2005. Na maior parte das vezes, a ajuda de custo foi para viagens de caráter não-oficial e integralmente pagas pelos anfitriões.

Após um cruzamento de informações registradas pelo Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais), publicadas em reportagens e divulgadas na agenda do STF, a Folha apurou que Jobim fez pelo menos 32 viagens nacionais e quatro internacionais no ano passado. Passou, no mínimo, 84 dias longe de Brasília.

Em 27 viagens, o convite partiu de universidades particulares ou de associações. Jobim foi chamado para dar palestras sobre temas jurídicos, ser paraninfo de turma de formandos em direito, receber medalhas ou participar de jantares em sua homenagem.

Por meio de sua assessoria, Jobim disse que não cobra para dar palestras, que as viagens tiveram caráter representativo e que, por isso, o recebimento de diárias foi absolutamente legal.

Cinco especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, disseram que a diária existe para ressarcir prejuízos decorrentes de uma viagem realizada em caráter oficial. Esse prejuízo é inexistente, afirmam, quando o deslocamento é pago pelo anfitrião. Para eles, convites pessoais não se encaixam na definição de evento oficial.

Viagens de Jobim

Em abril do ano passado, por exemplo, Jobim ficou três dias num resort de luxo na ilha de Comandatuba, na Bahia, num encontro da Confederação Nacional das Instituições Financeiras. Todas as despesas, segundo a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), foram pagas pelos bancos. Mesmo assim, o ex-ministro requisitou R$ 544,50 em diárias.

Somente em agosto, Jobim viajou seis vezes a convite. Numa delas, ficou quatro dias em um hotel cinco estrelas em Salvador, na Bahia, para participar de um evento patrocinado por associações de classe. Levou como acompanhantes a mulher dele, Adrienne Senna, e um assessor.
O casal ganhou dos anfitriões passagem aérea, transporte terrestre, alimentação e hospedagem -todos os gastos foram pagos por companhias estatais que patrocinaram o evento. Para esse deslocamento, o ex-ministro solicitou ao Supremo R$ 693.

Em setembro, Jobim viajou de Brasília a São Paulo para ser homenageado por uma revista e para palestrar num congresso de executivos de finanças. Mesmo com as despesas pagas pelos organizadores, Nelson Jobim requisitou ao tribunal uma ajuda de custo no valor de R$ 379,50.

Algumas das viagens são consideradas oficiais, como, por exemplo, quando ele foi convidado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para participar do funeral do papa João Paulo 2º na Itália ou quando foi ao Paraguai em reunião de Cortes Supremas do Mercosul. Nos dois casos, Jobim recebeu do Supremo R$ 2.291 e R$ 2.976, respectivamente.

Agenda

A resolução 254, de 2003, define a diária como uma indenização para despesas decorrentes de viagens oficiais feitas por servidores do STF que estejam no efetivo exercício do cargo ou da função.

Em agosto de 2004, esta resolução, que não contemplava a possibilidade de pagamento de diárias em viagens patrocinadas, sofreu uma "adaptação" -isso porque, mesmo sem previsão legal, alguns ministros já recebiam meia diária em viagens sem nenhum custo.

Esta observação consta no texto que alterou a resolução. Tal prática, no entanto, "não se configura rotina freqüente" no Supremo.

Para especialistas, reembolso é um contra-senso

O ressarcimento de despesas inexistentes e o tom mais pessoal que institucional das viagens feitas por Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, foram os principais pontos criticados pelos especialistas ouvidos pela Folha.

O juiz federal Newton Luís Medeiros Fabrício disse que o pagamento de diárias tem caráter indenizatório, ou seja, representa o reembolso de despesas realizadas em razão do serviço ou em nome da função. "Se o presidente do STF teve todas as despesas pagas pelo organizador do evento, não tem motivo para receber diárias. É um contra-senso ser reembolsado por gastos que não teve."

Fabrício liderou, em 2005, o "Manifesto pela ética", quando 60 magistrados sugeriram a Jobim "afastar em definitivo" a possibilidade de concorrer à Presidência da República, ou renunciar à do STF.

Para o desembargador paulista Augusto Francisco Mota Ferraz de Arruda, a atitude de Jobim é incompatível com a moralidade exigida por ele. "Para Jobim, à época presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça, e que ainda estava com uma campanha de moralização dos tribunais, não cai bem o uso de verbas para viagens não oficiais. A moral não serve só para os outros."

O advogado Fábio Konder Comparato, membro honorário e vitalício do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), disse que a prática é contrária aos interesses públicos.

"Proceder dessa forma é ir contra o espírito público da Constituição. Não se pode submeter o interesse público em benefício de particulares. Os juízes são agentes públicos e não podem se repastar no poder", disse Comparato.

Ex-ministro do STF entre 1989 e 1994, Paulo Brossard disse nunca ter visto situação semelhante. "Eu me recordo de duas viagens oficiais que fiz para acompanhar conferências jurídicas, sempre designado pelo tribunal. Recebia muitos convites de viagem, mas, como a massa de trabalho era grande, sempre evitava aceitar."

O advogado Adilson Dallari disse que a função do presidente do Supremo difere da dos demais ministros. Além do dever de julgar, ele representa a instituição. "Mesmo assim, a questão é delicada. Não vejo as viagens para palestras como de caráter oficial e não há sentido em pedir reembolso para despesas que não existiram."

Fonte: Jornal Folha de São Paulo.
(Incluída em 03/04/2006 às 09:40)

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