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Fila de processos bate recorde em juizados

Uma fila que não anda

Juizados Especiais de Pequenas Causas têm 660 mil processos parados, uma alta de 292% em 10 anos. Tempo de julgamento, que antes era de 90 dias, agora já ultrapassa um ano

Audiências realizadas de 7h30 às 20h30, sem intervalos, somando diariamente 200 procedimentos judiciais em salas que, com o tempo, se dividiram em duas, espremendo o espaço entre juizes, estagiários e a população. Essa é uma parte de um esforço que não tem sido suficiente para desafogar os juizados especiais de pequenas causas em Minas Gerais, sufocados com o crescimento da demanda. O órgão, que nasceu para ser uma via alternativa à Justiça comum, tendo como princípio a conciliação, completa 15 anos com uma sensível piora em sua performance. Nos últimos 10 anos, a demanda pelo serviço mais que dobrou, mas a estrutura, em alguns casos, foi reduzida. Como resultado, o acervo de processos que aguardam julgamento atingiu no ano passado a marca recorde de 660 mil, um salto preocupante de 292,8% nos últimos 10 anos.

Nos tribunais de pequenas causas, o tempo dos julgamentos foi crescendo ano a ano, e mais que triplicou desde a criação do órgão. Apesar de julgar mais de 90% das ações distribuídas no período de 12 meses, os processos que antes consumiam 60 ou 90 dias podem agora levar um ano ou mais em caso de recursos. A demora já reflete no índice de conciliação. Quanto mais longo é o prazo, menor é o percentual de acordo, já que o fornecedor prefere usar o tempo a seu favor. O índice de conciliação encolheu nos últimos 10 anos de 50% para 30%.

DESEMPENHO Apesar de ressaltar a satisfação da população com o trabalho do órgão e o esforço para cumprir metas e prazos, o coordenador dos juizados especiais de Belo Horizonte, Vicente de Oliveira Silva, se mostra ao mesmo tempo preocupado com a queda do desempenho. “Mesmo se fizéssemos audiências até meia-noite ou 1h não conseguiríamos responder à demanda, com a estrutura que temos. Há cinco anos, tínhamos 18 magistrados, hoje são 15”, aponta Oliveira, referindo-se aos números do Juizado Especial de Relações de Consumo, que concentra o maior volume de processos entre todos os juizados da capital.

Quem não buscava seus direitos por desconhecer o funcionamento da Justiça comum, desestimulado pela demora ou por não ter recursos para arcar com um processo, hoje, trafega com facilidade pelos juizados especiais, onde a Justiça é gratuita, o acolhimento à queixa é imediato e ações de até 20 salários mínimos dispensam advogados. A demanda reprimida é uma das justificativas para a sobrecarga de trabalho, mas órgãos de defesa do consumidor também destacam o maior esclarecimento da população e ainda um alto índice de práticas contrárias à lei no mercado.

A desaceleração no ritmo dos juizados já causa reclamações. O empresário Glayson Ribeiro Silva reclama que, em junho de 2008, deu início a uma ação por danos morais contra a instituição financeira responsável por seu cartão de crédito. Ele espera receber R$ 8 mil, mas até o momento a sentença não foi publicada. “Meu nome foi incluído indevidamente no Serasa. De acordo com a lei, os processos deveriam ser julgados em 45 dias, mas minha ação já dura mais de um ano e meio”, queixa-se.

FÔLEGO Os juizados especiais deram fôlego à Justiça e os números mostram que a população brasileira decidiu reclamar seus direitos, mesmo que o valor da causa seja inferior a R$ 50. Nos últimos 14 anos, o número de ações no estado saltou de 285 mil para 726 mil, mais que o dobro. Nos últimos três anos, só em Belo Horizonte, o número de ações relacionadas ao direito do consumidor cresceu praticamente 40%, atingindo, em 2009, 36,8 mil processos. Este ano, se a demanda crescer minimamente, o número vai atingir 40 mil.

Isso sem contar as demandas do setor de telefonia, campeão em reclamação. O prédio de quatro andares onde funciona o Juizado Especial de Relações de Consumo, na Rua Curitiba, Centro de BH, ficou pequeno e abarrotado com as reclamações de consumidores insatisfeitos. A telefonia ganhou um juizado especial, com prédio à parte. Para se ter ideia, nos últimos três anos, as ações do segmento mais que dobraram, saltando de 6.861 para 15.651, um crescimento surpreendente de 130%.

O contador Gustavo Maciel tem dois processos em curso nas Relações de Consumo. Um deles contra uma construtora e outro contra um fabricante de eletrodomésticos. Segundo ele, as empresas não têm interesse em fazer acordo. “Pedi o mínimo possível. Quero de volta o monitor que queimou em 15 dias, no valor de R$ 500, e a devolução de R$ 5 mil que paguei por um imóvel, mas desisti da compra”, diz. Segundo o contador, ele evitou pedir danos morais ou qualquer taxa além dos valores exatos para tornar o processo mais ágil. Mesmo assim, não alcançou êxito. “É visível que as empresas contam com o tempo e preferem protelar. Acho que os julgamentos deveriam ser mais rígidos para forçar um acordo, principalmente quando não restam dúvidas sobre o direito do consumidor”, desabafa.

DIFERENÇA Algumas pequenas medidas, poderiam fazer grande diferença. Oliveira diz que o incremento de 15 para 18 magistrados no Juizado Especial de Consumo já faria grande diferença na agilidade dos julgamentos. O espaço físico apertado também desafia o bom desempenho do órgão. Até o final do ano, a expectativa é que o prédio da Rua Curitiba seja transferido para a Rua Padre Rolim, no Bairro Santa Efigênia. Se a mudança de endereço ocorrer de fato, o juizado saltará de quatro para 16 andares, o que pode devolver o ritmo aos processos.

‘Síndrome do Peter Pan’

Os juizados especiais nasceram para atender demandas de até 40 salários mínimos em causas cíveis e também criminais. No entanto, a partir do próximo mês, entra em vigor a Lei 12153/09, que cria os Juizados Especiais da Fazenda Pública, estendendo a competência ao âmbito dos estados e dos municípios. Na opinião de muitos especialistas, mais que um desafio, é um risco para o órgão. O receio é que as atribuições cresçam sem o devido acompanhamento da estrutura, fazendo com que as pequenas causas se tornem uma espécie de Justiça comum, principalmente no que diz respeito ao tempo dos julgamentos. “Costumamos brincar que os juizados sofrem da síndrome do Peter Pan. Não querem crescer”, comenta o juiz Vicente de Oliveira Silva, coordenador dos juizados especiais de Belo Horizonte.

A nova lei entra em vigor no mês que vem, com prazo de dois anos para ser colocada em prática. O receio é que a demanda reprimida seja tão grande que afogue os tribunais com ações que possam demandar desde multas de trânsito até expurgos de planos econômicos.

Especialistas em defesa do consumidor são unânimes ao apontar que os juizados especiais abriram as portas da Justiça para consumidores que se tornaram mais bem informados, principalmente após o Código de Direito do Consumidor (CDC). No entanto, quanto a forma de reduzir o volume excessivo de processos, as opiniões se dividem. Maria Elisa Novais, gerente jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), aponta que as empresas precisam ser mais eficazes na prevenção e resolução de conflitos. “Da mesma forma que as agências e órgãos reguladores precisam respeitar os direitos dos consumidores previstos em lei, reduzindo os conflitos de consumo no judiciário.”

O advogado especialista em direito do consumidor e ex-secretário-executivo do Fórum de Procons Mineiros, Marco Aurélio Cunha, considera que o problema central está no bolso. “O Judiciário deveria pesar mais a mão nas indenizações, para desestimular as empresas a lesar o consumidor. As indenizações têm um caráter educativo e as grandes empresas, como telefonia, bancos e cartões de crédito, são líderes recorrentes em reclamações.” Na opinião do especialista, mesmo os pequenos tribunais ainda são tímidos na aplicação da indenização máxima. (MC)


Fonte: Estado de Minas

(Incluída em 10/05/2010 às 15:39)

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