Retorna ao índice de Destaques Tribunais rejeitam cortes
TETO SALARIAL
Uma batalha jurídica está prestes a ser deflagrada dentro do próprio Judiciário. Ontem, presidentes de 17 tribunais de Justiça criticaram o estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os supersalários do Judiciário e se recusaram a adequar de imediato os vencimentos de 2.978 magistrados, servidores e pensionistas ao teto determinado pelo órgão, de R$ 22.111. A briga pode parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em reunião com a presidente do STF e do CNJ, Ellen Gracie, os chefes dos TJs afirmaram ontem que o cálculo do conselho foi muito simples e não levou em conta benefícios que, por lei, podem somar ao teto, como o auxílio-moradia pagos a juízes transferidos para interior. Decidiram, então, que vão analisar caso a caso antes de cortar os supersalários. “Se o conselho considera determinadas verbas dentro do teto ou se o conselho tem uma idéia, isso não significa que o conselho tenha sempre razão”, disse o presidente do TJ de São Paulo, Celso Limongi. “O que importa é que nós iremos estudar”, acrescentou ele.
Segundo Limongi, os tribunais vão analisar se há benefícios que podem ultrapassar o teto na lista apontada pelo CNJ e refazer os cálculos. “O corte não vai ser de imediato, as folhas já estão rodando. Pedi um prazo até janeiro.” Ele reconhece que a palavra final deve acabar sendo do STF, que tem o poder de derrubar a decisão do CNJ. “Sem dúvida é o Supremo (que vai dar a palavra final). Certamente haverá ajuizamento de ações coletivas, mas haverá uma medida jurisdicional, caso os tribunais entendam que o conselho não interpretou corretamente esse tema constitucional”, afirmou.
DEVOLUÇÃO Durante o encontro, Ellen Gracie afirmou que além de cortar os supersalários já na folha de pagamento em dezembro, os magistrados, servidores e pensionistas devem devolver aos cofres públicos o que ganham a mais que o teto desde julho, quando começou a valer a resolução do conselho exigindo o corte dos salários. Em março, o órgão já havia estipulado o fim da farra salarial por meio de resolução e deu prazo de três meses para o cumprimento da exigência. Dessa vez, seria uma espécie de segundo ultimato. No entanto, os presidentes dos TJs resistem a ele.
De acordo com o estudo divulgado pelo CNJ, 97 tribunais do país, 20 descumprem as normas, sendo 19 TJs e apenas um órgão da União: o Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região, em Recife, que negou que qualquer pagamento está sendo feito acima do teto salarial do funcionalismo público, de R$ 24,5 mil. A situação foi sanada em março, segundo o tribunal. O CNJ não divulgou quantos juízes e desembargadores estão entre os 2.978 contracheques irregulares nem revelou nomes. A exigência do CNJ é feita no momento em que a ministra tenta a aprovação no Congresso de projeto que elevará a remuneração dos membros do CNJ acima do teto nacional, por meio da criação de jetom de até 24%.
ESTADO Entre os 318 salários acima do teto pagos atualmente pelo Judiciário mineiro, está o do presidente do Tribunal de Justiça do estado. Em entrevista ao Estado de Minas publicada em 23 de março, o desembargador Orlando Carvalho – então vice-presidente – contou receber pouco mais de R$ 24,5 mil, graças a qüinqüênios acumulados ao longo da carreira na magistratura.
As gratificações pessoais são apontadas como razão para os salários mais gordos do poder, uma vez que o Judiciário nega o pagamento de qualquer penduricalho aos magistrados. Outro desembargador que contou ganhar acima do teto foi Gudesteu Biber, que assumiu um contracheque de cerca de R$ 27 mil mensais. O vice-corregedor Reynaldo Ximenes afirmou na ocasião que ganhava pouco mais de R$ 24 mil.
STF já negou redução
O Supremo Tribunal Federal já entendeu, em abril deste ano, que o salário daqueles que recebem acima do teto não pode ser reduzido. Venceu a tese do princípio da irredutibilidade salarial no julgamento de um mandado de segurança ajuizado por quatro ex-ministros do STF que queriam manter seus vencimentos acima dos R$ 24,5 mil definidos como teto nacional. A aplicação da regra gerou muita discussão e foi decidida por seis votos a cinco depois de dois anos de tramitação da ação.
O voto de minerva coube ao ministro Enrique Levandowiski, empossado no cargo dias depois da primeira sessão de julgamento, encerrada com um empate. No seu entendimento, os contracheques não poderiam sofrer cortes. “O Supremo tem decidido que o valor nominal da remuneração percebida pelo servidor, sob a égide de determinado plexo normativo, não pode sofrer diminuição, sob pena de vulnerar situação juridicamente estável, imune à alteração legislativa posterior”, disse no seu voto.
Por unanimidade, os ministros entenderam que aquelas pessoas que já ganham acima do limite estabelecido para o país e os estados não poderiam ter adicionado qualquer outro benefício até que o teto fosse reajustado a valor acima de seu vencimento. A decisão do STF foi aplicada apenas aos autores da ação, não tendo qualquer efeito sobre os demais casos no país. Aqueles que quiserem contestar o corte determinado pelo Conselho Nacional de Justiça terão que recorrer ao STF.
Essa é a opinião do presidente nacional em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil Aristóteles Atheniense. Mas ele acredita que a briga não será fácil. “Como advogado, acho que é uma questão difícil. Se for adotar a decisão ao pé da letra, os salários terão que ser cortados e talvez até devolvidos. Mas como o Supremo não vai adotar o mesmo critério usado no caso dos ex-ministros, para os juízes e desembargadores?”, diz.
No entanto, deve ser levado em conta que a votação foi muito polêmica e apertada (seis votos a cinco), e até mesmo em razão da alteração na composição do órgão, a postura em relação à irredutibilidade salarial pode ser alterada. “Eu não me atreveria a dizer que esse (irredutibilidade salarial) é o pensamento do STF”, completa.
APOSENTADOS Há quem entenda que não seria possível qualquer medida judicial, uma vez que o artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) determina a redução imediata de todos os vencimentos que ultrapassem o limite salarial do país. O próprio artigo diz que não se pode invocar o princípio do direito adquirido na tentativa de burlar a regra.
Dessa forma, só escapariam dos cortes aqueles servidores públicos que se aposentaram ou completaram os pré-requisitos para a aposentadoria antes de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. “A decisão do Supremo mostra que só escapariam do corte aqueles que estavam aposentados antes da fixação do teto ou antes da própria Constituição Federal”, argumenta o professor de Direito Constitucional, José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior.
Legislação
O teto salarial no Brasil foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Mas somente a reforma da Previdência, aprovada em dezembro de 2003, regulamentou o assunto. Na ocasião, o valor estabelecido como teto foi de R$ 19,1 mil, passando para R$ 21,5 mil em janeiro do ano passado e R$ 24,5 mil a partir de janeiro deste ano.
Fonte: Jornal Estado de Minas (Incluída em 30/11/2006 às 08:35)
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