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Montanhas de processos

JUDICIÁRIO

Cada juiz mineiro encerrou o ano de 2006 com média de 3.800 processos para analisar nas 293 comarcas de Minas Gerais, reforçando a morosidade da tramitação das ações. Ainda assim, chama a atenção a agilidade com que alguns casos são julgados, a exemplo da condenação, por tentativa de homicídio, da promotora de vendas Simone Cassiano da Silva, 30 anos, acusada de ter jogado a própria filha recém-nascida na Lagoa da Pampulha, em 28 de janeiro do ano passado. Ela foi julgada no último dia 20, menos de um ano após o crime. Em contrapartida, outros processos se arrastam e as vítimas ou seus parentes sofrem com a espera por justiça.

A pergunta que se faz é «por que existe diferença de prazos no andamento dos processos?». Viúvas de dois dos quatro funcionários do Ministério do Trabalho executados em 28 de janeiro de 2004 em Unaí, no Noroeste do Estado, Marinês Lina Laia, 40 anos, e Genir Lage, 47 anos, têm convicção de que o poder econômico e político dos acusados de serem os mandantes do crime é fator crucial para que até hoje ninguém tenha sido julgado, por força de tantos recursos impetrados pelos advogados de defesa.

«Se não houvesse tanto dinheiro envolvido, não haveria tantos recursos em mínimos detalhes assim», diz Marinês, que era casada com o auditor fiscal Eratóstenes de Almeida Gonçalves. As duas viúvas afirmam que não há dúvidas quanto ao envolvimento dos nove acusados, entre mandantes, intermediários, contratantes e executores.

A condenação deles não amenizará a perda das famílias, mas representará um recomeço de vida, após a reparação da injustiça. «Não suportamos mais a dor de todo dia 28 de janeiro termos de mexer neste sentimento e pedir por justiça», engrossa o coro Genir, viúva do fiscal João Batista Soares Lage.

A expectativa do advogado e assistente de acusação Francisco Rogério Del Corsi é de que oito dos acusados sejam julgados em primeira instância no segundo semestre. Já o prefeito de Unaí, Antério Mânica - acusado de ser um dos mandantes, ao lado de seu irmão, Norberto -, que tem foro privilegiado, pode ter sua sentença proferida a qualquer momento pelo Tribunal Regional Federal da primeira região, em Brasília. Os irmãos, que negam o envolvimento no crime, são grandes produtores rurais em Unaí e estavam entre os fazendeiros investigados pelos fiscais.

Para aumentar a dúvida quanto à igualdade de tratamento dos casos por parte da Justiça, o presidente da Associação dos Auditores Fiscais do Trabalho (AAFIT), José Augusto de Paula Freitas, cobra a mesma agilidade que houve na prisão e julgamento dos executores da missionária norte-americana irmã Dorothy Stang, assassinada em 12 de fevereiro de 2005, no Pará, que foram julgados em 2006.

A professora aposentada Delizete Carnaúba, 72 anos, ainda chora a morte de cinco parentes vítimas de um pega numa estrada entre Bicas e Mar de Espanha, na Zona da Mata, ocorrida em 5 de abril de 1996. Dos dois acusados, apenas o médico Ademar Pessoa Cardoso foi condenado, mas recorre da sentença. O industrial Ismael Loth teve o julgamento anulado e será submetido a um novo em 12 de março. «Não sei se vou agüentar. É uma judiação sem limites. Questiono a falta de solidariedade e respeito à nossa dor. Estou muito magoada por passar mais um ano esperando», lamenta Delizete.

Outros casos emblemáticos de lentidão da Justiça em Minas são o acidente no Anel Rodoviário, ocorrido em setembro de 2002, que culminou com a morte da estudante Patrícia Fernandes Silva, 19 anos, e a queda do pavilhão de exposições da Gameleira, ocorrido em 1971. No primeiro, o acusado de ter provocado o acidente, Eduardo Pentagna Guimarães Pedras, de família tradicional, ainda não foi julgado. No segundo, vítimas ainda aguardam suas indenizações por parte do Estado.

Bons advogados podem protelar julgamentos

Juristas e advogados refutam qualquer possibilidade de favorecimento a uma ou outra parte nos processos em função de poder econômico, político, ou por influência da mídia. O consenso entre eles é que cada caso tem sua peculiaridade e o tempo de andamento processual depende do tipo de crime e exigência da lei, da estratégia da defesa, quantidade de recursos permitidos e utilizados, e dificuldades ou facilidades de se instruir o processo com localização de testemunhas, coletas de provas, realização de exames e perícias.

Os processos que envolvem réus presos têm de ser priorizados para evitar a soltura caso o prazo - 121 dias - não seja cumprido. Assim também ocorre com leis especiais, como de crime organizado, tóxicos e crime contra mulher (Lei Maria da Penha).

Mas também é admitido que quem tem condição financeira de pagar bons advogados e custear todos os gastos necessários para uma melhor defesa tem mais condições de êxito nos seus pleitos. «O bom advogado não muda o resultado, mas usa todos os recursos que tem à disposição», afirma o promotor coordenador das Promotorias Criminais de Belo Horizonte, Marcelo Mattar Diniz.

O juiz da Vara de Execuções Criminais de BH e diretor de Comunicação da Associação dos Magistrados de Minas Gerais (Amagis), Herbert Carneiro, acrescenta que, com dinheiro, o cliente pode manter um advogado com dedicação exclusiva ao seu caso e bancar suas despesas, como viagens para onde estão as testemunhas ou a Brasília interpor recursos. Coisa que um defensor público não tem condição de fazer, pois cuida de vários casos ao mesmo tempo e não tem recursos do Estado para viagens.

Mas o próprio rito processual dita os prazos. Desde o inquérito policial bem feito, as instruções obrigatórias no processo e os recursos influenciam na demora ou agilidade. «A lei impõe que sejam repetidas as provas do inquérito, há diversas fases que permitem recursos e ainda pode ocorrer dificuldade de se encontrar testemunhas e as provas. Se um homicídio, por exemplo, tem bem definidos autor, materialidade e testemunhas, o processo é rapidamente concluído. Caso contrário, pode emperrar», explica o juiz.
Segundo o magistrado, desde a denúncia apresentada à Justiça até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), se for o caso, pode haver 70 recursos. A cada recurso que tem de ser analisado pelos tribunais, há paralisação do trâmite. Entretanto, o promotor Marcelo Diniz garante que muitos processos são concluídos rapidamente, de 60 a 120 dias, mas não ganham notoriedade na mídia.

Fonte: Jornal Hoje em Dia.
(Incluída em 02/02/2007 às 09:10)

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